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Brasil, Rússia e BRICS
“Arquipélago Gulag”, a espetacular obra literária do historiador e escritor russo Aleksandr Solzhenitsyn, traça a história do brutal e terrível sistema de trabalhos forçados nos campos que continuaram a existir na União Soviética no século XX. Durante gerações, a Rússia brutalizou seu próprio povo, assim como os cidadãos dos países vizinhos que formaram a URSS. Apesar de Moscou tentar demonstrar que as coisas mudaram, desde o colapso do regime soviético, a Rússia segue no mesmo caminho geopolítico, mas utilizando outros instrumentos como os BRICS.
Isto é algo que deveria ter a atenção e estar no radar de países como o Brasil.
De fato, muito da “turbulência global” conhecida ao redor do mundo, inclusive no seu próprio território, tem sido causada e amplificada por enredos criados por Moscou. Não é necessário olhar além da Venezuela, uma ditadura socialista que gerou uma catástrofe econômica e reduziu seu povo a uma situação de pobreza, desorganização social e política e baixa cooperação global, causando uma migração sem precedentes na América do Sul afetando milhões de pessoas. A Rússia tem investido bilhões de dólares na Venezuela com apoio militar para defender Maduro, o principal elemento para a manutenção desta tirania no poder. O restante do continente, assim como Brasil, tem que conviver com suas consequências econômicas, migratórias e sociais.
A Rússia buscou espalhar seus tentáculos muito além da Venezuela. Na Bolívia, em 2019, Moscou enviou conselheiros políticos para trabalhar nas frentes de mídias sociais e campanhas digitais com o objetivo de promover o ex-Presidente Evo Morales e atacar seus opositores. Felizmente o povo da Bolívia e os observadores internacionais reconheceram que a Rússia estava ajudando Morales a vencer as eleições de forma ilícita, expondo operações até então desconhecidas. Moscou trabalhou também com o objetivo de punir governos de países como Chile e Equador que resistiram diante da tentativa de influência russa, promovendo protestos e propaganda em redes como RT e Sputnik Mundo.
Vladimir Putin, e seu círculo mais próximo não tem qualquer receio em usar táticas mais agressivas para atingir seus objetivos geopolíticos. Em 2017, trabalharam por um golpe político na Macedônia, felizmente exposto. Existem suspeitas concretas que tenham trabalhado de formal letal contra dissidentes russos no Reino Unido e na Alemanha. Além disso, também pairam suspeitas graves que tenham apoiado grupos mercenários que fizeram vítimas civis na Síria e Líbia.
A Rússia tem provocado instabilidade no sistema e direito internacional com o objetivo de atingir seus interesses econômicos e políticos. Seus diplomatas foram expulsos de diversos países ocidentais porque trabalham contra as democracias locais interferindo em seus processos eleitorais. Seus atletas foram inclusive banidos de competições internacionais acusados de fraude e doping.
Diante destes fatos o Brasil precisa se perguntar, faz sentido nossa nação estar tão intimamente ligada a uma nação como a Rússia em um bloco que não tem tido um protagonismo efetivo e sem resultados como os BRICS? Durante um período em que nosso país está se esforçando para a retomada e aumento no crescimento e renda, uma cooperação econômica com a Rússia é benéfica para nosso futuro ou pode comprometer nossos planos? Em um período em que estamos trabalhando para banir a corrupção de nossa sociedade, não deveríamos também nos afastar dos negócios corruptos conduzidos pelas empresas que na verdade representam o governo de Moscou?
A Rússia promete trazer benefícios políticos, econômicos, tecnológicos e médicos por meio dos BRICS. Entretanto, diante de todas as evidências, historicamente o país sempre falhou em cumprir suas promessas enquanto também violava soberanias nacionais, enfraquecia democracias e ainda aplicava força letal com o objetivo de atingir seus objetivos geopolíticos. O Brasil não pode ser tolo em acreditar que a Rússia não fará o mesmo aqui, como talvez já esteja fazendo com o navio Yantar, considerado um navio espião, que navegou pela costa de nosso país em 2020. Se não podemos acreditar em nosso parceiro nos BRICS, deveríamos nos perguntar porque fazemos parte deste grupo.
Políticas Públicas, Gestão e Pandemia
As mudanças promovidas pelo Covid-19 ainda são incertas. Não se sabe, com precisão, como o mundo se estruturara após a crise, mas pode-se afirmar que trará alterações profundas nos mais diversos pilares da sociedade, incluindo: empresarial, social, político, econômico, comportamental entre tantos outros. A maneira com que o Estado resolve os problemas comuns da população será aprimorada, ao mesmo tempo em que tenta equacionar as questões mais imediatas, enquanto a crise perdurar. A pandemia, com o enorme sofrimento que tem causado em âmbito global, impôs a necessidade de repensar a interação dos governos com a sociedade na construção de políticas públicas que possam melhorar a qualidade de vida das pessoas.
O combate à crise tem exigido o máximo que o arcabouço institucional do poder público pode oferecer como organizador da sociedade e direcionador das soluções comuns, em áreas essenciais como educação, segurança e saúde. Em crises passadas, setores específicos da administração tiveram o protagonismo em equacionar as respostas do governo, como crises econômicas ou produtivas. Em nenhum outro momento nas últimas décadas, ou talvez no último século, o setor público, como um todo, foi tão impactado. Não se trata mais de um tema apenas para a pasta econômica ou da saúde, mas dos direitos humanos, da ciência e todos os demais.
Um aspecto fundamental da transformação do papel do Estado será o uso de evidências ou das melhores informações disponíveis para elaborar políticas públicas que se antecipem aos problemas. Análise de tendências, com base na massa de dados disponível, otimização de recursos com foco no benefício gerado para o cidadão, análise e melhoria de exemplos e melhores práticas, tudo isso será indispensável para a obtenção de diagnósticos mais precisos que, por sua vez, poderão gerar melhores soluções.
Outro ponto importante de transformação será o componente da legitimidade das decisões públicas. Serão menos frequentes as vezes em que um dirigente público ou parlamentar apresentará políticas públicas sem engajamento com os lados envolvidos nessas políticas públicas, tanto sociedade civil quanto empresarial, não apenas um deles. A confiança pública só aumentará com a percepção de que as soluções oferecidas pelos governos atendem aos interesses da maioria, de forma justa, com menores margens para manobras eleitoreiras. A imprensa e seus editores desempenharão um papel mais importante do que nunca nesse novo modelo, porque trarão análises consistentes dessas novas políticas públicas e de seus resultados efetivos, e farão a seleção dos temas relevantes e de impacto, mas pouco salientes, e que precisam ser apresentados à opinião pública.
A gestão pública tem boa capacidade técnica de execução e cumprimento de normas estabelecidas, mas, depois da crise, terá de ir além. Haverá um avanço da atenção de outputs para os outcomes, ou seja, do que é feito e entregue para os efeitos e impactos que essas entregas efetivamente geram. É inegável que tem havido um descasamento entre o que se faz e o efeito esperado dessas ações. Gestores se questionarão crescentemente se faz sentido executar políticas públicas mal desenhadas e pouco embasadas, se basta apenas entregar serviços públicos desprovidos da crença no interesse comum. Um novo paradigma administrativo que possa gerar mais valor público emergirá dessa crise. O mundo pós Covid-19 nunca mais será o mesmo.
Intolerância Religiosa X Direitos Humanos
Comemora-se no dia 10 de dezembro o Dia Internacional dos Direitos Humanos. A data nos remete ao permanente compromisso da comunidade global com a garantia e manutenção de direitos humanos, que em muitos casos, se resumem a direitos básicos, o mínimo para garantir uma vida digna aos seres humanos em qualquer lugar do planeta.
Mas para além desses direitos humanos “básicos”, a liberdade religiosa é um dos que mais necessitam de um olhar mais atento por parte das nações. Não é admissível para uma sociedade que se diz evoluída, movida por empatia e compaixão, se colocar na posição de potencializar a intolerância religiosa, seja pela ação direta ou pela simples omissão na tentativa de negar esse fato.
Em recente evento interativo promovido pelo Instituto Legislativo Brasileiro (Interlegis), mediado pelo Instituto Montese, defendemos essa linha de raciocínio, ao refletirmos especificamente sobre a perseguição a cristãos chamada cristofobia. Certamente, tal defesa não significa ignorar a odiosa perseguição perpetrada contra pessoas que professam outras religiões. Corretamente, os casos de perseguição envolvendo essas religiões causam comoção e ganham enorme notoriedade nos meios de comunicação. Mas seja por ignorância, preconceito ou má-fé, também é notório que a cristofobia não tem o mesmo apelo midiático e igual repulsa social.
A Organização Portas Abertas divulga anualmente o ranking dos 50 países onde professar a fé cristã pode custar a vida. O levantamento classifica os países de acordo com o nível de perseguição: alta, severa ou extrema. O ranking 2020 aponta um número de 260 milhões de cristãos perseguidos no mundo. A metodologia considera cristão qualquer pessoa que se identifica como tal, incluindo as que não pertencem a uma denominação específica. E classifica como perseguição qualquer hostilidade vivida como resultado da identificação da pessoa com Cristo, como atitudes hostis, palavras e ações.
Nos primeiros lugares estão países como Somália, Líbia e Sudão, caracterizados pela ação de grupos radicais islâmicos que promovem chacinas de cristãos. Estão também Índia, Paquistão, Síria e as teocracias islâmicas do Oriente Médio. A ditadura socialista da Coréia do Norte também é pródiga em perseguições violentas de cristãos.
O caso da China é peculiar. A ditadura chinesa lidera o ranking em número de agressões a igrejas ou propriedades cristãs, com 5.576 ataques. O curioso é que o cristianismo é permitido no país, mas é rigorosamente controlado pelo Governo. Para se ter uma ideia, o Partido Comunista “comanda” a igreja católica no país, dizendo quais igrejas podem funcionar e até há bem pouco tempo, escolhia os bispos à revelia do Vaticano.
A intenção é monitorar qualquer manifestação de lideranças eclesiásticas que possa soar como crítica a Pequim. Aliás, esse método de intimidação, até mesmo em território estrangeiro, não é nenhuma novidade. Funcionários da embaixada chinesa em Lisboa tentaram bloquear a participação do cardeal Joseph Zen Ze-Kiun, bispo emérito de Hong Kong e opositor do regime de Pequim, numa reunião de católicos em Fátima no ano passado.
Por isso, é importante destacar que, para além do aspecto religioso em si, também existe um forte componente político-ideológico que marca de maneira específica a cristofobia. É possível observar que a maior parte das ocorrências se dá em regimes teocráticos de maioria religiosa distinta do cristianismo ou em regimes totalitários de predominância socialista e comunista.
A supressão da fé cristã sempre foi uma das principais medidas de regimes inspirados no ideário comuno-marxista ateu, sobretudo na Europa. Já ditadores como Fidel Castro, que até professavam a fé cristã pela influência católica na América Latina, logo a abandonaram, diante da evidente incompatibilidade com a ideologia que defendiam. O fato é que o cristianismo sempre foi visto como obstáculo para a concretização de projetos de dominação. Por isso mesmo, entendemos que essa é a raiz estrutural da cristofobia do ponto de vista político e ideológico. É necessário que a única fé possível seja no Estado, na sua infalibilidade e na dos seus líderes.
Não por acaso, o cristianismo e seus símbolos são o alvo preferencial de grupos extremistas. Igrejas são vandalizadas, depredadas e queimadas, como vimos recentemente nos EUA e no Chile. O pouco ou quase nenhum repúdio de formadores de opinião, políticos e líderes religiosos, ou mesmo o seu endosso desavergonhado, acabam por validar tais agressões.
No Brasil, de maioria religiosa considerando católicos e protestantes, não existe uma perseguição violenta e estruturada contra cristãos. No entanto, a cristofobia por aqui e na maioria dos países do Ocidente se manifesta pela pressão e discriminação que oprime e ridiculariza quem não adere à ideologia dominante antirreligiosa e secularista, no campo da ciência, meios acadêmicos, na mídia e demais espaços públicos de poder.
Basta ver que o fato de alguém professar a fé cristã o desqualifica imediatamente para ocupar qualquer espaço na sociedade. É como se os anos de estudo, capacitação e experiência em determinada área fossem anulados pelo aspecto pessoal de professar a sua fé. É um preconceito evidente baseado na religião que o indivíduo professa, portanto, é também intolerância religiosa.
Falar em cristofobia não é só oportuno, mas necessário. Sobretudo quando essa prática agride um direito humano essencial como a liberdade religiosa. Como também previsto na nossa Constituição, o Brasil deve assegurar plena liberdade religiosa a todos que aqui vivem. Não é tolerável que opressões religiosas, ainda que não violentas, tenham espaço no nosso país. Mas também devemos denunciá-la em qualquer lugar que ocorra, e em todos os fóruns onde isso seja possível.